sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Acima das nuvens

Sete horas da noite...tudo escuro e muito frio. Com uma lanterna na cabeça, tentávamos descobrir a trilha exata para chegar ao lugar onde iríamos dormir. Assim começava a nossa aventura pelas montanhas nos arredores de Tóquio. Tudo inesperado. Éramos três, eu, o André- meu marido e o Paulo – nosso amigo brasileiro que adora montanhas e mora aqui há 12 anos. Só que nos atrasamos para deixar a capital. Pensávamos que seria possível chegar de carro bem perto do alojamento para, no dia seguinte, começar a escalada. Doce ilusão. Quando percebemos, já estávamos suando, com fome e tensos.
A estrada fechada, no frio de 9ºC. O jeito foi pegar a lanterna, respirar fundo e caminhar, muito.
O hotel, que na verdade é um típico alojamento japonês fica quase no meio da montanha e para chegar até lá, só caminhando. O problema é que a trilha, para nossa surpresa, demorava mais de duas horas (isso acelerando muito o passo). Durante o trajeto, as dúvidas. Será que iríamos conseguir nos hospedar e comer à essa hora? Nove da noite na montanha é quase madrugada. Todos se levantam antes do nascer do sol para iniciar a escalada.
De repente, a visão do "oásis" na floresta. Esta foto mostra o alojamento. Foi tirada no dia seguinte, quando já estava claro.
Chegando lá, a resposta às nossas dúvidas: o dono já estava dormindo. Ser programado é uma característica japonesa. Os hóspedes chegam , no máximo, até as quatro horas da tarde para tomar um banho de ofurô, jantar  e dormir cedo. Imagine a surpresa dele ao ser acordado por três “gaijins” (estrangeiros) suados e famintos. Ele estranhou, mas não nos decepcionou. Fugindo ao estilo japonês, abriu uma exceção, nos conseguiu um quarto e nos preparou um jantar com direito a saladinha e tempurá.
Este é o ofurô, em baixo das tábuas tem água bem quentinha para relaxar antes ou depois da escalada. Importante: não esqueça a toalha! Tivemos que nos secar com camisetas.
O lugar, típico japonês, tem quartos privados ou comunitários com tatames e futons para se acomodar.

Às 5:30 da manhã já estávamos de pé para disfrutar um típico café da manhã ao estilo japonês, antes de enfrentar longas horas de caminhada.
hábito eu definitivamente não me acostumei. Peixe, arroz e verdura pra quebrar o jejum não combina!
Os japoneses adoram essa programação: passar o dia na montanha, fazer um piquenique no topo e voltar. Acontece que a maioria deles já está numa idade mais avançada! E, diga-se de passagem, todos totalmente paramentados com fogão portátil, sticks (bastões de escalada) para não forçar o joelho e um acessório em particular, um sininho preso na mochila para espantar possíveis ursos que possam estar por perto. Costumes locais.
Esta foto foi tirada no monte Takao
Há muitas montanhas populares perto de Tóquio, como o monte Takao, da foto acima. Mas agora iríamos encarar a Kumotori Yama, que na tradução literal significa a montanha que pega a nuvem. Não deixa de ser um simbolismo, já que esse é o pico mais alto da região, com mais de dois mil metros de altitude. Definitivamente, um lugar de difícil acesso.
No meio do outono, a paisagem local é deslumbrante! Sabe aquela imagem de folhas vermelhas caindo? É exatamente isso que acontece aqui. A trilha fina, coberta por folhas, parece uma pintura! E faz esquecer o imenso penhasco bem ao lado.
A recomendação número um aqui é não cair!
No monte Kumotori existem poucos alojamentos. E eles ficam isolados, no meio da montanha. Fiquei imaginando como que chega comida e outros mantimentos. E descobri ao ouvir um incessante barulho de helicóptero.
A operação é delicada. O helicóptero não tem onde pousar, então descarrega a mercadoria com ajuda de uma corda e depois iça todo o lixo produzido pelos hóspedes. Muito legal! E caro, imagino.
Durante toda a caminhada, eu me surpreendia quando encontrava idosos sozinhos, explorando as trilhas. É inacreditável a força e disposição dos aposentados japoneses!
Precavidos, eles não abrem mão do sininho. Pode ser que espante mesmo os ursos...mas o barulho é muito chato.
Estes são meus companheiros enfrentando uma das inúmeras áreas íngremes da montanha (André acima e Paulo logo abaixo)
Depois de mais de três horas de subida intensa, o alívio e a recompensa...
... a alegria durou até eu lembrar que haveira uma longa descida pela frente, além de todo o caminho percorrido na noite anterior. Entre paradas para lanches e descansos, ficamos mais de nove horas na floresta. Tempo suficiente para refletir sobre a vida, deixar toda a energia ruim para trás e entender porque os japoneses gostam tanto de ir para as montanhas !

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Micheri Taru, muito prazer !

Foram 10 minutos até eu encontrar o bendito “Miruku Baru” no meio da movimentada estação de Ueno. É o nome estranho do lugar que me indicaram para tomar um sorvete rápido. Quando achei a loja, entendi. O nome em inglês da sorveteria é “Milk Bar”. As palavras estrangeiras mudam quando são "ajaponesadas". Na hora de pedir um ice cream, a atendentente me corrigiu,  "Aissu Kurimu", ela disse. 

A língua japonesa pode ter fama de complexa, e é muito! Mas algumas palavras são decifráveis e muito engraçadas.

Pelo "M" é muito fácil saber que se trata do Mc Donald’s, mas pela leitura própria que eles desenvolveram, o fast food mais famoso do mundo virou "Maku Donarudo”.

Aprendi muito japonês desde que cheguei, a minha nova rotina me permitiu isso, voltar à escola. Quatro horas diárias de japonês.
Tudo começou de maneira muito tradicional: a professora entrou na classe, todos os alunos levantaram, curvaram-se e juntos falaram: “Sensei, ohayo Gozaimasu” (professora, bom dia).
Para mim, que só sabia falar “arigatô” e “sayonará”, aquela aula foi um banho de água fria. Tudo em japonês. Tinha certeza que tinha entrado na sala errada, mas não. Aqui no Japão o método é quase sempre o mesmo: muita pressão!
Isso porque são três alfabetos: o hiragana, o katakana e o kanji. Os dois primeiros representam os mesmos sons, a diferença é que o hiragana é utilizado para escrever palavras exclusivamente japonesas e o katakana serve para escrever palavras estrangeiras. Os kanjis são bem mais complicados, são os famosos desenhos, ou melhor, caracteres, que tem origem chinesa. Explicar a necessidade deles também é difícil, fica para outro post.
As palavras engraçadas que escrevi acima, claro, vem do katakana.  Até os japoneses se divertem com a tradução que fazem. Existe essa dificuldade porque os alfabetos são compostos por sílabas (ka,ki,ku,ke,ko ...ma,mi,mu,me,mo...sa,shi,su,se,so e assim por diante).
É muito difícil para um japonês conseguir pronunciar duas consoantes juntas. Por isso quase ninguém fala inglês, e mesmo os que sabem ficam com vergonha da pronúncia. Sendo assim, a solução foi transliterar as palavras estrangeiras para o japonês. Desta forma nasceu o “tchocoreto”(chocolate) e diversas personalidade, como o “Tomu Cruisu” e o “Buraddo Pitto” (Tom Cruise e Brad Pitt). São pérolas, que além de cômicas, são aliviantes para um estrangeiro, que consegue entender alguma coisa, depois de acostumar o ouvido, claro.
Cartaz de estreia do novo filme do Brad Pitt espalhado pelas ruas de Tokyo (o nome dele está contornado com o quadrado vermelho). Ah! O nome do filme é "Manee Booru" (Money Ball)

Aqui tudo é tão único (em japonês, “yuniku”) que as minhas primeiras aulas de kanji tiveram um ar muito típico.
Para aprender a ordem correta de cada traço utilizamos um pincel com água que em contato com o papel dá esse efeito. O mais legal é que quando seca, volta tudo ao normal. Dá para utilizar quantas vezes quiser! São mais de três mil kanjis diferentes, entendeu porque é tão difícil?
Já comentei no blog várias vezes sobre a ancestralidade misturada com a modernidade no país. Mas não esperava encontrar no Japão um vídeocassete e um retroprojetor na sala de aula.
Incrível como escrever com um pincel pode ser a coisa mais motivante do mundo, mas uma aula com retroprojetor parece não ter fim. E isso que estou falando de uma das escolas mais famosas daqui.
Outro momento de destaque do meu aprendizado foi quando um senhorzinho, que se não me engano é o dono da escola, começou a entrar diariamente nas classes, durante três meses para ensinar cantigas japonesas tradicionais.

Como disse antes, simplesmente "yuniku" !
E todas essas aulas no fundo me ajudaram a entender não apenas a gramática e escrita japonesa, mas a maneira de pensar e ensinar dos japoneses. É tão diferente da ocidental que às vezes bate um desespero. Sinto que só eu não estou entendendo. Na realidade apenas os asiáticos estão acompanhando a aula.
Ainda falta um looongo caminho...
Ah! Já ia me esquecendo, depois que cheguei aqui meu nome mudou de "Michelle Tal" para "Micheri Taru". Mas calma! Antes de rir, você já pensou como poderia ficar o seu ?