domingo, 11 de setembro de 2011

Seis meses depois, um novo Japão!

Era uma tarde de sexta-feira.Tudo indicava que seria um dia comum. Recém chegada ao Japão, eu me preparava para a primeira limpeza pesada no apartamento, no décimo primeiro andar de um prédio em Tóquio. De repente...o susto, o medo, a dúvida sobre o que estava acontecendo.

Quando o prédio começou a sacudir, podia jurar que era a máquina de roupas centrifugando. Desliguei o equipamento, mas o tremor fortíssimo não parou. Aos poucos, tive a noção que estava passando pelo meu primeiro terremoto. E logo o maior da história do Japão...9 graus!!!
O chão balançava lateralmente, um pouco diferente do que eu imaginava. Foi tão forte que apenas peguei o celular e desci as escadas descalça, ofegante. Ao mesmo tempo, rezava, me segurava para não cair e ligava para o meu marido, apavorada.
Naquela hora eu apenas seguia meus instintos de sair correndo. Com duas semanas de Japão, não havia recebido qualquer orientação sobre tragédias. Podia ver e sentir meu prédio balançar de um lado para o outro.
Esta foi uma das primeiras imagens que tive quando cheguei ao andar térreo, as crianças sendo evacuadas da escola com uma espécie de capacete. Depois me explicaram que é para evitar que algo atinja a cabeça com tantos tremores (não achei muito seguro, mas enfim, deve ajudar a manter o psicológico, porque elas estavam muito mais tranquilas do que eu).

Durante duas horas fiquei por ali, sem ter coragem de voltar pro apartamento, até porque a cada 5 minutos havia novos abalos secundários. O que me impressionava era que as pessoas caminhavam como se nada de sério tivesse acontecido. Todos voltavam ao trabalho, andavam de bicicleta e caminhavam sem pressa. Os japoneses, claro, estão acostumados com terremotos, mas depois descobri que na verdade eles não demonstram tanto as emoções. Conversei com alguns vizinhos que confessaram estar desesperados. Eles diziam que era um tremor muito mais forte do que já haviam sentido e estranhavam muito o fato dos celulares não estarem funcionando. Ninguém sabia o que tinha acontecido.
Quando finalmente meu marido e sua equipe de reportagem chegaram, criei coragem para subir em casa. Foi aí que nos demos conta do tamanho da tragédia. Imagens ao vivo da televisão mostravam as cidades da costa nordeste do país sendo devastadas pelo tsunami. Foram registradas ondas de mais de 40 metros. Cheguei a pensar no fim do mundo. Os japoneses também perceberam que estavam passando por um triste momento da história e o caos se espalhou pela capital.
                 Não havia comida nas lojas de conveniência e supermercados. O desespero só aumentava.

Pessoas sem ter como voltar pra casa dormiam nas estações e os que tinham carro transformaram a cidade em um grande estacionamento, isto porque tudo simplesmente parou ! E ficou assim por mais de 24 horas.
O apartamento tremeu mais de cem vezes durante aquela noite e ficar sozinha numa situação como essa não passava pela minha cabeça. Decidi pelo mais sensato, uma vez que o marido- repórter tinha uma longa e importante missão a cumprir. Optei por seguir viagem com a equipe. Eles são jornalistas, estavam prontos para uma cobertura como essa. Eu não !
Para nos aproximar do local da tragédia, enfrentamos um difícil caminho, certo pânico, diversas surpresas, e incríveis descobertas.

Depois de 12 horas e pouco mais de 100 quilômetros rodados, chegamos em Mito. Não havia luz, as ruas estavam cheias de crateras e os hotéis estavam fechados. Por um milagre e por se tratar do Japão, encontarmos o ponto de ônibus acima, com luz, ar quente (estávamos no inverno) e dois banheiros. Ninguém havia invadido. Para mim, estes foram os primeiros sinais de que este país é bem diferente. Lá passamos a noite.

No dia seguinte as pessoas faziam fila nas lojas de conveniência, pacientemente cada um esparava a sua vez para comprar apenas dez produtos. Nenhuma invasão, nenhum furto foi registrado no país.
Passamos por consequências terríveis do terremoto, mas infelizmente, não chegava nem perto do que as vítimas estavam vivendo.
Resumindo um pouco a história, foram dias em que cada decisão podia significar muito, eram dias intensos de muita informação, especulações, mentiras e desconfiança. Só soubemos do problema de radiação no segundo dia, o que nos fez mudar o rumo da viagem. Após cinco dias no nordeste do Japão, com receio do pior, recuamos ao oeste, fomos para Osaka, bem longe de Tóquio inclusive. A falta de combustível quase nos impediu de chegar até a capital do país. Foi por pouco, todos os dias a sensação era de que foi por muito pouco.
As estações de trem estavam lotadas de estrangeiros e japoneses. Ninguém acreditava muito no que o governo dizia.
Depois de uma semana em uma cidade em que parecia estar alienada dos acontecimentos, eu voltei ao Brasil por alguns dias. A equipe seguiu rumo aos destroços. E isso foi o que encontraram.
Um barco a um quilômetro da costa.
Cidades inteiras devastadas 
Hoje é um dia em que penso em tudo o que me aconteceu nestes seis meses. Conheci muitos lugares, diversas pessoas, me acostumei com os insistentes tremores semanais que duram até hoje, me preparei e me informei sobre situações de emergência, conheci uma cultura incrível, talvez o povo mais fechado e único.
Também comecei a me comunicar em japonês, aprendi  novos alfabetos, enfim, tanta coisa nova. E por ter sido tão intenso tudo por aqui, fico mais sentida por todas as pessoas que pararam as suas vidas. São dezenas de milhares de famílias que perderem entes queridos, casas, trabalhos e até foram obrigadas a fugir de suas cidades por conta da radiação. Passaram meses em abrigos e, ainda que tenham ganhado casas provisórias, não tem emprego e não podem mais viver no lugar onde criaram raízes. Difícil!
Foram os seis meses mais intensos que já vivi. E hoje valorizo até os dias mais monótonos. Poder ficar em casa, comprar pão, simplesmente caminhar na rua ou almoçar num restaurante sem maiores preocupações é muito mais importante do que eu imaginava. Força Japão. Gambarou Nihon! 

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